MEMÓRIA DE UM EX-AUTARCA
Assinatura do meu auto de posse
como Presidente da Junta de Freguesia de Agualva Cacém
Eleito como vogal da Junta de
Freguesia de Agualva-Cacém para o mandato 1983-1985, com os pelouros do Ensino,
Atividades Culturais e Informação, em outubro de 1984 assumi a presidência da
Junta em substituição da Presidente eleita que renunciou ao mandato por doença.
Até esse momento tinha desenvolvido uma dinâmica atividade nas áreas que me
tinham sido confiadas, como vogal, em especial na relação com a comunidade
escolar da freguesia.
Assumida em pleno a função de
Presidente de uma autarquia com mais de 100 mil habitantes, encarei o resto do
meu mandato, até ao final de 1985, com revigorado empenho e compromisso. Foi um
ano vertiginosos, dividindo os meus dias, entre as tarefas na Junta e o meu
emprego, com manifesto prejuízo para a minha família.
Fui reeleito para um novo mandato
como Presidente da Junta. Apesar de termos uma escala de atendimento em que
todos os membros do executivo participavam, quase todos os dias quando chegava
tinha fregueses à espera, que insistiam em falar comigo, para apresentarem
problemas e procurar soluções para os mesmos.
Num resumo da diversidade de
situações com as quais fui confrontado e tive de encontrar respostas, recordo:
mediei divórcios; aproximei familiares desavindos por litígio de partilhas;
intercedi nas farmácias para angariação de medicamentos para idosos sem
condições para os adquirir; participei no processo de recuperação de alguns
jovens toxicodependentes; acompanhei trabalhadores em luta pela manutenção dos
seus postos de trabalho, numa altura em que várias empresas da freguesia
abriram falência e muito mais.
Acompanhei por diversas ocasiões
as operações dos Corpo de Bombeiros local, consolidando a experiência que
adquiri, enquanto vogal da Junta, nas graves inundações de novembro de 1983.
Desde esse momento passei a ter uma relação de grande proximidade com os
Bombeiros, liderados pelo saudoso Comandante Artur Lage. Foi ele que em 1985 me
convidou para, pela primeira vez, integrar os órgãos sociais dos BV de
Agualva-Cacém, como Vice-Presidente do Conselho Fiscal. Começava assim, a minha
ligação ininterrupta, até hoje, à causa dos Bombeiros de Portugal.
Nesse tempo os autarcas de
freguesia não eram remunerados, pois apenas recebiam senhas de presença pela
sua participação nas reuniões.
Como Presidente de um órgão
colegial, assumi sempre uma postura de coordenador de vogais representantes de
várias forças políticas, privilegiando a corresponsabilidade das decisões
tomadas, materializada na distribuição de pelouros por todos os eleitos.
Esta minha postura viria a ser
reconhecida pela Assembleia de Freguesia, reunida em 21 de dezembro de 1986,
através de um voto de louvor aprovado pela unanimidade de todos os eleitos
representados nesse órgão, voto este apresentado quando me vi forçado a fazer
escolhas e a renunciar ao meu mandato, conforme explico de seguida.
Em outubro de 1986, o diretor
geral da empresa onde trabalhava chamou-me ao Gabinete e de semblante sério
disse: "Duarte chegou a hora de escolheres. Ou segues o caminho como
autarca, ou assumes novas responsabilidades na empresa. As duas coisas já vimos
que são incompatíveis, pois não tens tempo para ambas."
Recordo-me que durante uma semana
dormi mal as noites, pois foi-me dado um mês para decidir. Por um lado, estava
absolutamente apaixonado pelo trabalho autárquico. Por outro lado tinha 35
anos, dois filhos e responsabilidades familiares, das quais andava arredado
desde que tinha sido eleito para a Junta.
Não tinha outra hipótese. Tinha
de optar pela minha atividade profissional e pelo futuro. E como tinha
imprimido um ritmo absorvente às minhas funções autárquicas, não poderia de um
momento para o outro transfigurar-me e passar pela Junta de vez enquanto.
Antes do ano de 1986 terminar
apresentei a minha carta de renuncia.
Há distância de 40 anos e apesar
de ao longo deste tempo a minha vida ter sido marcada por fantásticas
experiências, que muito me enriqueceram como pessoa, como cidadão, esta minha
experiência autárquica tem um lugar especial guardado na minha memória. Com ela
aprendi que só com paixão e coração vale a pena entregarmo-nos às causas que
dão verdadeira dimensão às nossas vidas.
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