NÓ CEGO




Pertenço a uma geração de homens que cumpriram a maior parte do tempo do serviço militar obrigatório numa das (então) colónias de Portugal, em África, onde ocorria uma guerra contra os movimentos de libertação, que lutavam pela independência de Angola, Guiné e Moçambique. A mim calhou-me uma comissão de serviço no norte de Moçambique, mais propriamente na região do Niassa.
À medida que os anos passam, mais vezes me assaltam à memória os momentos intensos, vividos naqueles dois anos da minha vida. Afirmo muitas vezes que comecei a entender a vida, a valorizar alguns valores humanos e a fazer escolhas, naquele teatro de guerra.
Jovem politicamente esclarecido sabia muito bem o que estava em jogo, quando desembarquei pela primeira vez em terras moçambicanas. Esperavam-me dias difíceis.
Muitas vezes, sozinho ou em conversa com alguns camaradas militares, assaltava-me a dúvida sobre a justeza de participar numa guerra, contra a qual me insurgia desde que, com 18 anos, participei pela primeira vez em acções da oposição democrática, aquando das eleições de 1969.
Apesar destas contradições, apesar do questionar da minha consciência, quando regressei a Portugal, em Novembro de 1974, eu era um homem diferente. Vivera um ano e meio de guerra a sério. Testemunhara durante 6 meses (após o 25 de Abril) o processo de construção da paz, com sobressaltos. Comandara homens e partilhara com eles angústias, medos, alegrias e tristezas. Aprendera a decidir ouvindo. Apaixonara-me por África.
Foi este caldo de emoções que voltei a sentir nas férias deste ano, com a leitura do livro Nó Cego, da autoria de Carlos Vale Ferraz (pseudónimo do coronel Carlos Matos Gomes). O livro relata a história de uma companhia de tropas especiais, no norte de Moçambique, numa fase crítica da guerra naquele território.
Numa narrativa intensa, o autor concebeu um romance essencial para ser lido pelas actuais gerações de portugueses e, assim, valorizarem devidamente o facto de terem nascido num país democrático, sem guerra nem ditadura.


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